“GUERRILHA DO ARAGUAIA” – UMA ETERNA
EPOPEIA
Mestrando em Ensino de História
O
Movimento Guerrilheiro do Araguaia ou “Guerrilha
do Araguaia” foi um conjunto de várias ações deliberadas de um grupo
formado em sua maioria por jovens estudantes universitários, operários, etc, de
cunho ideológico, cujo objetivo era instaurar um novo sistema sócio-político no
país, ou seja, o socialismo. Para entendermos esse movimento faz-se necessário
uma análise conjuntural da época em nível mundial.
Após
a morte em 1953, do ditador soviético Josef
Stálin, veio à tona todas as atrocidades
praticadas pelo mesmo durante o período em que esteve à frente do partido
comunista e da URSS. Com mão-de-ferro, Stálin promoveu torturas, assassinatos,
campos de trabalho forçado (gulags), etc. Entretanto, é inegável que o mesmo
tirou a Rússia de um estágio econômico letárgico, essencialmente agrário, e a
colocou como carro-chefe de um modo de produção avançado e que representava 1/3
do planeta.
Os
partidos comunistas em nível de mundo começaram a questionar as práticas stalinistas,
visto que a maioria se alinhava à política de Moscou. Como resultado dos
debates e das discussões, vários PC’s optaram por outras variantes socialistas
como China e Cuba. Várias dissidências se formaram. No Brasil, o movimento comunista
fica dividido, Luís Carlos Prestes,
defensor do revisionismo e da “transição pacífica” de Nikita Kruschev fica com a sigla PCB – Partido Comunista Brasileiro, e os que defendiam a luta
armada como João Amazonas adotam a
sigla PC do B – Partido Comunista do Brasil.
Lembremos
que estamos em plena
Guerra Fria , ou
seja, a ordem mundial é bipolar: capitalistas capitaneados pelos norte-americanos,
e socialistas liderados pelos russos. Vivia-se à década de 60 do século XX, a
corrida armamentista e espacial, os Estados Unidos instigavam e financiavam
golpes militares na América latina. No final de março de 1964, o Presidente João Goulart - por defender reformas de
cunho socialistas e que contrariava os interesses das empresas norte-americanas
- é deposto e os militares assumem o poder. Começa uma das mais ferrenhas
ditaduras da América do Sul. Direitos políticos são cassados, funcionários
públicos são demitidos, outros, presos ou exilados, vivia-se um estado de
exceção. Institui-se o bipartidarismo e, conseqüentemente, a ilegalidade dos
demais, as correntes mais radicais onde militavam: intelectuais, estudantes,
jornalistas, líderes sindicais e até mesmo militares - como é o caso do Lamarca - organizam-se e vários grupos
guerrilheiros são formados, como: ALN-Ação
Libertadora Nacional; MRT-Movimento Revolucionário Tiradentes; MOLIPO-Movimento
de Libertação Popular; VAR-Vanguarda Armada Revolucionária, entre outros.
Na
clandestinidade, a guerrilha urbana revidava às atrocidades dos militares. Atos
de sabotagem e até ações espetaculares como os seqüestros do Embaixador dos EUA
e do Cônsul Japonês, trocados por camaradas militantes presos, depois exilados
em países como: Chile, Cuba, França, etc. A ditadura militar impunha sua força e
muitos militantes foram mortos ou tiveram de fugir, às vezes até travestidos,
como é o caso do Leonel Brizola. A guerrilha urbana dava sinais
de que sucumbiria, visto a discrepância em termos estruturais (pessoal, armas,
logística, etc). Contudo, deve-se salientar a bravura com que nossos compatriotas
lutaram e morreram sonhando com um país mais justo e menos desigual, na busca
do direito à cidadania plena, razão porque hoje podemos expressar nossas
opiniões.
Os
partidos e grupos clandestinos começam a mudar de tática, pois a guerrilha urbana
tornava-se inviável, a saída foi a guerrilha rural. A partir de 1966 começam a
chegar os primeiros guerrilheiros - militantes recrutados pelo PC do B - na
região do conflito: sul do Pará, norte do Goiás (bico do papagaio), atual
Estado do Tocantins e oeste do Maranhão. Sabe-se que vários grupos
guerrilheiros iniciaram movimentos nessa região, todos foram rechaçados pelos
militares. Os guerrilheiros do PC do B ao contrário dos demais estavam mais
organizados, pois a maioria havia feito treinamento de guerrilha em países
como: Cuba, China e do leste europeu. Além disso, boa parte tinha curso
superior ou havia iniciado e desistido no caminho em face da perseguição dos
militares. Na floresta amazônica estavam mais seguros do que nos grandes
centros. Os “paulistas”, como eram chamados foram distribuídos em três
bases guerrilheiras: Faveira, Gameleira e Caiano, no centro do triângulo ficavam o comando militar da Guerrilha.
Conforme
alguns historiadores, os guerrilheiros somavam um total de 69, entre homens e
mulheres. Estava na cabeça do movimento o já citado João Amazonas, Maurício Grabois, Elza Monerat, Ângelo Arroyo, José
Genoíno (ex-deputado federal e ex-presidente do PT, preso antes do início
dos combates), Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão, tido como um “mito” do
conflito), Dinalva Oliveira Teixeira
(Dina, outra “lenda” do movimento),
entre outros. Deve-se considerar a dificuldade de comunicação à época, pois as
estradas eram poucas, sem asfalto e os principais meio de comunicação eram os
rios (Araguaia e Tocantins). Fazendo treinamentos diários e reconhecimento da
região, os guerrilheiros familiarizaram-se com os moradores locais, que viviam
essencialmente da agricultura de subsistência e da extração da “Castanha do
Pará”, além da eventual caça e pesca, pois a região era propícia às mesmas.
Além disso, muitos agricultores trabalhavam para fazendeiros na extração da
castanha, o que lhes rendiam muito pouco. Frisando ainda que o governo militar
havia instaurado uma política de exploração da Amazônia, concedendo benefícios
fiscais às empresas multinacionais que quisessem explorar seus recursos
naturais, o que levou o posseiro a ser expropriado da terra, através da coação
por parte dos grandes fazendeiros e das empresas que se estabeleciam na região.
Interagindo com os camponeses, os “paulistas” conquistaram a confiança do povo da região. As mulheres ensinavam as crianças a ler e escrever, também fazia serviço de parto, alguns haviam se formado ou estudado medicina, enfermagem, geologia, farmácia, agronomia, etc, outros disfarçados de vendeiros ou de mercadores percorriam a região fazendo os contatos necessários. Praticamente, todos cumpriam uma função social e ao mesmo tempo faziam um trabalho de politização das pessoas, conseguindo angariar apoio dos camponeses, que era vital para o bom andamento do objetivo proposto. Contudo, a população local não estava não sabia do verdadeiro motivo da presença dos mesmos, pois era de fundamental importância o sigilo do Movimento, para que a partir da tomada de uma das regiões mais pobres e esquecida do país começasse a queda do regime militar e a implantação do sistema socialista.
No
início de 1972, o exército descobre os planos da Guerrilha. Há mais de uma
versão para a delação do movimento, mas o certo é que os militares descobriram
e agiram rápido. A primeira incursão feita pelos militares na região,
denominada de “Operação Papagaio”,
foi um fracasso, pois apesar de estarem em desvantagem numérica e no que se referem
aos armamentos, os “Homens da Floresta”, como passaram a serem chamados os
guerrilheiros, conheciam bem o território e sabiam onde pisavam, ao contrário
dos recrutas, despreparados em combates na selva e sem o apoio da população.
Apesar da propaganda feita pelos militares na região, taxando os guerrilheiros
de terroristas e de criminosos, fugitivos da polícia, pessoas em quem não se
podia confiar discurso que os moradores locais não acreditavam, pois conheciam
bem aquelas pessoas e o espírito de solidariedade e de assistência dos mesmos
para com a população daquela região.
A
segunda incursão feita pelos militares denominava-se “Operação Sucuri”, que também não surtiu os efeitos esperados. Os
guerrilheiros moviam-se melhor e sobressaiam-se frente ao poderio bélico das
Forças Armadas. Lembrando que o contingente usado nas campanhas de combate à Guerrilha
foi superior ao número de militares que massacraram “Canudos”, só inferior ao número de militares da FEB-Força Expedicionária Brasileira,
que lutou na Europa na Segunda Guerra Mundial. Conforme vários estudos e
levantamentos, os militares utilizaram de forma direta e indiretamente mais de
dez mil homens durante o período do conflito. As três forças conjuntas: Exército,
Marinha e Aeronáutica atuaram no combate à Guerrilha utilizando helicópteros,
aviões e lanchas. Uma operação de guerra contra menos de uma centena de
combatentes, somando-se aos guerrilheiros alguns camponeses que aderiram à
causa revolucionária e que também pagaram com a vida por sonharem com uma
sociedade mais justa.
Apesar
de militarmente superiores, os militares seguiam em desvantagem, além do mais,
não tinham escrúpulos para com a população local. Muitos camponeses foram
presos, torturados, na maioria das vezes não sabiam o que estava ocorrendo.
Alguns foram torturados e mortos só porque conheciam os “paulistas”. A própria
Igreja Católica sentiu-se ameaçada, pois, houve casos em que padres e até mesmo
uma freira foram torturados e humilhados abertamente para a população local
assistir, provocando a revolta do povo da região. Muitas famílias tiveram suas
filhas aliciadas e abusadas sexualmente pelos militares. Por ironia, muitos
camponeses conheceram a eletricidade não nas suas casas ou em seus sítios, e
sim através de choques elétricos aplicados pelos militares. Perto das bases
militares eram abertos buracos de até dois metros que serviam como prisão. As
pessoas eram jogadas dentro do buraco, às vezes algemadas e permaneciam dias
presos sem ver a luz do sol, pois os mesmos eram tapados com arames farpados e
lonas. Não é a toa que alguns pesquisadores falam de um “Segundo Vietnã”. Além
dos camponeses que eram coagidos a colaborarem com os mesmos, servindo de bate-paus (dedo-duro) e mateiros (guias que conheciam bem a
mata e que eram obrigados, às vezes com uma corda no pescoço, a caçar os
guerrilheiros).
Diante
de tais atitudes das Forças Armadas, para os camponeses era inconcebível
acreditar que os “paulistas” eram más pessoas. Na realidade inferia-se quem era
os criminosos e bandidos, adjetivos usados pelos militares para taxar os “homens
da mata”. Entretanto, apesar da existência da censura aos meios de comunicação,
razão porque na época poucas pessoas sabiam da existência do foco guerrilheiro
na região do Araguaia, de boca em boca, na maioria das vezes até por parte de
militares das Forças Armadas e também do Comando Central do PC do B - através
de panfletagens - e através de uma reportagem do jornal “O Estado de São
Paulo”, no dia 24 de setembro de 1972, que passou despercebida pela censura e
que irritou o governo Médici, os
desmandos praticados pelos militares chegam aos ouvidos de boa parte da
população esclarecida, principalmente do sul do país e até mesmo do exterior. Devido
a tais comentários e circunstâncias, o comando dos militares resolve mudar de
tática. Agora com pessoal mais especializado e com uma política menos agressiva
para com o povo da região, o governo passa a dar mais assistência ao povo
sofrido do Araguaia, cujo papel vinha sendo executado pelos “Paulistas”. Emissão de documentos, visto que na região
exibir um documento como a Identidade era privilégio de poucos, assistência
médica e odontológica, distribuição de remédios e comida, passou a fazer parte
dos planos dos militares com o objetivo de ganhar apoio da população local.
A
terceira campanha empreendida pelos militares, batizada de “Operação Marajoara”, as Forças Armadas agora estavam
estrategicamente dispostas a vencer a Guerrilha. Com pessoal de elite das três
armas, os militares começaram a minar as forças guerrilheiras, privando-as dos
estoques de provisões, remédios e de armas que não eram muitas. Quando um
guerrilheiro era preso, obrigavam-no a dizer onde estavam os estoques
escondidos na floresta. Além disso, boa parte dos camponeses que conheciam os
guerrilheiros estavam presos ou impossibilitados de comunicação com os mesmos,
e quando se comunicavam era uma cilada armada pelos militares. Todos os
guerrilheiros presos a partir da segunda incursão ou campanha foram mortos
sumariamente, muitos tiveram suas cabeças cortadas e o corpo enterrado na mata,
pois a cabeça era suficiente para o reconhecimento, ficando a cargo dos
bate-paus essa tarefa, às vezes recompensada com algum pouco dinheiro ou maços
de cigarros.
Apesar
da presença dos militares na região até meados de 1975, praticamente o
Movimento Guerrilheiro do Araguaia foi desmantelado no final de 1973. É óbvio
que a maioria das baixas aconteceu do lado mais fraco, pois foi uma luta de
Davi contra Golias, muito embora tenha havido, segundo alguns pesquisadores,
mais de 50 mortos do lado dos militares, número não confirmado pelas Forças
Armadas. No entanto a história da Guerrilha do Araguaia não veio totalmente à
tona, pois até hoje, principalmente o exército, mantém-se reticente em abrir
seus arquivos para que os historiadores possam acrescentar muito mais ao que já
se sabe. Na década de 90 do século passado, foi criada uma comissão formada por
parentes de desaparecidos no conflito, deputados e pessoas ligadas aos direitos
humanos que em caravana percorreram a região do conflito, escavações foram feitas
na região de Marabá no Pará na ânsia de encontrar restos para análises e
comprovação de DNA por parte de Universidades de São Paulo, mas pouca coisa foi
recolhida, em razão das mudanças ocorridas na região quase trinta anos depois.
O Governo FHC indenizou famílias de desaparecidos políticos, e nesse rol
algumas desse conflito.
Em
junho de 2003, uma Juíza Federal decretou a abertura dos arquivos das Forças
Armadas para os devidos esclarecimentos, entretanto sabe-se que há fortes
resistências. Mesmo assim, o Governo Lula criou outra comissão para ajudar a
trazer à luz os restos mortais dos destemidos guerrilheiros do Araguaia. No
segundo semestre de 2004, mais precisamente entre os meses de setembro e
outubro, com a veiculação nos jornais das supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog, a questão da abertura
dos arquivos militares voltou à tona, sendo defendida pelo Secretário Nacional
dos Direitos Humanos e também pelo Presidente Lula. No dia 07 de dezembro do
referido ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sediado em Brasília,
por 2 x 1 mandou abrir os arquivos da Guerrilha do Araguaia. O governo garantiu
que não ia recorrer. Na seqüência dos acontecimentos, no dia 10 do mesmo mês, o
presidente Lula baixou uma medida
provisória revogando o decreto de Fernando
Henrique Cardoso, que cinco dias antes de deixar o governo no dia
27/12/2002, aumentou o limite de tempo para consulta aos documentos
ultrassecretos, fixados pelo mesmo em 50 anos. O presidente Lula não só reduziu
esse tempo para 30 anos, como também criou uma comissão interministerial para estudar
novas regras para divulgação de documentos de Estado. Entretanto, em 25 de
outubro de 2011 o parlamento brasileiro aprovou o tempo para consulta desses
documentos. Fixou em 10 anos para documentos reservados, 30 anos para documentos secretos e 50 anos para ultrassecretos.
No dia seguinte (26) o mesmo parlamento aprovou também a criação da Comissão da Verdade, que foi sancionada
no dia 18/11 pela Presidente Dilma, que indicou 07 pessoas que se encarregarão
de investigar desrespeitos aos direitos humanos durante o período de 1946-1988,
principalmente durante o período da ditadura militar. Frisando-se que essa
comissão não tem poder de punição.
Ultimamente,
várias comissões têm trabalhado e avançado na busca dos restos mortais dos revolucionários.
Em meados de 2009, o presidente Lula autorizou e o ministro da defesa criou um
Grupo de Trabalho formado por geólogos, antropólogos, médicos legistas, etc.,
que, agora com a participação do exército, desde o início de agosto estão escavando
no sul do Pará e as expectativas são boas. No início de outubro do mesmo ano
foi confirmado que a ossada exumada em 1996 era mesmo do guerrilheiro Bérgson
Gurjão, sendo sepultado com as devidas honras do PCdoB e da UNE. Depois da
exumação de uma média de 100 ossadas, cinco foram encaminhadas para confirmação
de DNA. Agora em 2014 foi encontrada parte da arcada dentária que se acredita
ser de Maurício Grabois, um dos líderes do movimento. No dia 13/08 foi
realizada em Brasília uma audiência onde foram ouvidos quatro torturadores
militares, e o Grupo de Trabalho deve fazer seu relatório final até o final do
ano, e deve ter novidades. Portanto, estamos mais próximo de resgatarmos boa parte
da verdadeira história do Movimento Guerrilheiro do Araguaia, fazendo jus aos
que empreenderam a maior resistência à ditadura militar, bem como as famílias
que estão esperando há décadas pelos restos mortais dos seus.
“Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos
companheiros”.
Che Guevara
BIBLIOGRAFIA
-
CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia – À esquerda em
armas.
Goiânia:
Editora da UFGO, 1997.
-
GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada – As ilusões armadas – (A floresta
dos homens sem alma). São Paulo: Cia das Letras, 2002.
-
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: das ilusões
perdidas à luta armada. São Paulo: Editora Àtica, 1987.
-
GROSS, James Eliot – Luta de Guerrilhas (Natureza e Política) – Edições
GRD, Rio de Janeiro, 1965.
- MOURA, Clóvis. Diário da Guerrilha do Araguaia.
São Paulo: Editora ALFA - OMEGA, 1985.
-
PORTELA, Fernando. Guerra de Guerrilhas no Brasil. São Paulo: Global
Editora, 1979.
- SÁ, Glênio. ARAGUAIA – Relato de um Guerrilheiro.
São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1990.
TEXTOS
- Guerrilha do Araguaia –
1972/1982 – Biografia escrita por Diógenes Arruda Câmara.
- A Guerrilha do Araguaia –
Versões Duvidosas – Jarbas Passarinho.
FILMES
- Lamarca.
- O que é isso companheiro.
- Araguaya: conspiração do silêncio.
- Batismo de sangue
SITES
José Humberto Gomes Barbosa
Professor de História
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