terça-feira, 16 de setembro de 2014

“GUERRILHA DO ARAGUAIA” – UMA ETERNA EPOPEIA


“GUERRILHA DO ARAGUAIA” – UMA ETERNA EPOPEIA

 José Humberto Gomes Barbosa
Mestrando em Ensino de História



            O Movimento Guerrilheiro do Araguaia ou “Guerrilha do Araguaia” foi um conjunto de várias ações deliberadas de um grupo formado em sua maioria por jovens estudantes universitários, operários, etc, de cunho ideológico, cujo objetivo era instaurar um novo sistema sócio-político no país, ou seja, o socialismo. Para entendermos esse movimento faz-se necessário uma análise conjuntural da época em nível mundial.
            Após a morte em 1953, do ditador soviético Josef Stálin, veio à tona todas as atrocidades praticadas pelo mesmo durante o período em que esteve à frente do partido comunista e da URSS. Com mão-de-ferro, Stálin promoveu torturas, assassinatos, campos de trabalho forçado (gulags), etc. Entretanto, é inegável que o mesmo tirou a Rússia de um estágio econômico letárgico, essencialmente agrário, e a colocou como carro-chefe de um modo de produção avançado e que representava 1/3 do planeta.
            Os partidos comunistas em nível de mundo começaram a questionar as práticas stalinistas, visto que a maioria se alinhava à política de Moscou. Como resultado dos debates e das discussões, vários PC’s optaram por outras variantes socialistas como China e Cuba. Várias dissidências se formaram. No Brasil, o movimento comunista fica dividido, Luís Carlos Prestes, defensor do revisionismo e da “transição pacífica” de Nikita Kruschev fica com a sigla PCB – Partido Comunista Brasileiro, e os que defendiam a luta armada como João Amazonas adotam a sigla PC do B – Partido Comunista do Brasil.
            Lembremos que estamos em plena Guerra Fria, ou seja, a ordem mundial é bipolar: capitalistas capitaneados pelos norte-americanos, e socialistas liderados pelos russos. Vivia-se à década de 60 do século XX, a corrida armamentista e espacial, os Estados Unidos instigavam e financiavam golpes militares na América latina. No final de março de 1964, o Presidente João Goulart - por defender reformas de cunho socialistas e que contrariava os interesses das empresas norte-americanas - é deposto e os militares assumem o poder. Começa uma das mais ferrenhas ditaduras da América do Sul. Direitos políticos são cassados, funcionários públicos são demitidos, outros, presos ou exilados, vivia-se um estado de exceção. Institui-se o bipartidarismo e, conseqüentemente, a ilegalidade dos demais, as correntes mais radicais onde militavam: intelectuais, estudantes, jornalistas, líderes sindicais e até mesmo militares - como é o caso do Lamarca - organizam-se e vários grupos guerrilheiros são formados, como: ALN-Ação Libertadora Nacional; MRT-Movimento Revolucionário Tiradentes; MOLIPO-Movimento de Libertação Popular; VAR-Vanguarda Armada Revolucionária, entre outros.
            Na clandestinidade, a guerrilha urbana revidava às atrocidades dos militares. Atos de sabotagem e até ações espetaculares como os seqüestros do Embaixador dos EUA e do Cônsul Japonês, trocados por camaradas militantes presos, depois exilados em países como: Chile, Cuba, França, etc. A ditadura militar impunha sua força e muitos militantes foram mortos ou tiveram de fugir, às vezes até travestidos, como é o caso do Leonel Brizola. A guerrilha urbana dava sinais de que sucumbiria, visto a discrepância em termos estruturais (pessoal, armas, logística, etc). Contudo, deve-se salientar a bravura com que nossos compatriotas lutaram e morreram sonhando com um país mais justo e menos desigual, na busca do direito à cidadania plena, razão porque hoje podemos expressar nossas opiniões.
            Os partidos e grupos clandestinos começam a mudar de tática, pois a guerrilha urbana tornava-se inviável, a saída foi a guerrilha rural. A partir de 1966 começam a chegar os primeiros guerrilheiros - militantes recrutados pelo PC do B - na região do conflito: sul do Pará, norte do Goiás (bico do papagaio), atual Estado do Tocantins e oeste do Maranhão. Sabe-se que vários grupos guerrilheiros iniciaram movimentos nessa região, todos foram rechaçados pelos militares. Os guerrilheiros do PC do B ao contrário dos demais estavam mais organizados, pois a maioria havia feito treinamento de guerrilha em países como: Cuba, China e do leste europeu. Além disso, boa parte tinha curso superior ou havia iniciado e desistido no caminho em face da perseguição dos militares. Na floresta amazônica estavam mais seguros do que nos grandes centros. Os “paulistas”, como eram chamados foram distribuídos em três bases guerrilheiras: Faveira, Gameleira e Caiano, no centro do triângulo ficavam o comando militar da Guerrilha.
            Conforme alguns historiadores, os guerrilheiros somavam um total de 69, entre homens e mulheres. Estava na cabeça do movimento o já citado João Amazonas, Maurício Grabois, Elza Monerat, Ângelo Arroyo, José Genoíno (ex-deputado federal e ex-presidente do PT, preso antes do início dos combates), Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão, tido como um “mito” do conflito), Dinalva Oliveira Teixeira (Dina, outra “lenda” do movimento), entre outros. Deve-se considerar a dificuldade de comunicação à época, pois as estradas eram poucas, sem asfalto e os principais meio de comunicação eram os rios (Araguaia e Tocantins). Fazendo treinamentos diários e reconhecimento da região, os guerrilheiros familiarizaram-se com os moradores locais, que viviam essencialmente da agricultura de subsistência e da extração da “Castanha do Pará”, além da eventual caça e pesca, pois a região era propícia às mesmas. Além disso, muitos agricultores trabalhavam para fazendeiros na extração da castanha, o que lhes rendiam muito pouco. Frisando ainda que o governo militar havia instaurado uma política de exploração da Amazônia, concedendo benefícios fiscais às empresas multinacionais que quisessem explorar seus recursos naturais, o que levou o posseiro a ser expropriado da terra, através da coação por parte dos grandes fazendeiros e das empresas que se estabeleciam na região.
          
  Interagindo com os camponeses, os “paulistas” conquistaram a confiança do povo da região. As mulheres ensinavam as crianças a ler e escrever, também fazia serviço de parto, alguns haviam se formado ou estudado medicina, enfermagem, geologia, farmácia, agronomia, etc, outros disfarçados de vendeiros ou de mercadores percorriam a região fazendo os contatos necessários. Praticamente, todos cumpriam uma função social e ao mesmo tempo faziam um trabalho de politização das pessoas, conseguindo angariar apoio dos camponeses, que era vital para o bom andamento do objetivo proposto. Contudo, a população local não estava não sabia do verdadeiro motivo da presença dos mesmos, pois era de fundamental importância o sigilo do Movimento, para que a partir da tomada de uma das regiões mais pobres e esquecida do país começasse a queda do regime militar e a implantação do sistema socialista.
            No início de 1972, o exército descobre os planos da Guerrilha. Há mais de uma versão para a delação do movimento, mas o certo é que os militares descobriram e agiram rápido. A primeira incursão feita pelos militares na região, denominada de “Operação Papagaio”, foi um fracasso, pois apesar de estarem em desvantagem numérica e no que se referem aos armamentos, os “Homens da Floresta”, como passaram a serem chamados os guerrilheiros, conheciam bem o território e sabiam onde pisavam, ao contrário dos recrutas, despreparados em combates na selva e sem o apoio da população. Apesar da propaganda feita pelos militares na região, taxando os guerrilheiros de terroristas e de criminosos, fugitivos da polícia, pessoas em quem não se podia confiar discurso que os moradores locais não acreditavam, pois conheciam bem aquelas pessoas e o espírito de solidariedade e de assistência dos mesmos para com a população daquela região.
            A segunda incursão feita pelos militares denominava-se “Operação Sucuri”, que também não surtiu os efeitos esperados. Os guerrilheiros moviam-se melhor e sobressaiam-se frente ao poderio bélico das Forças Armadas. Lembrando que o contingente usado nas campanhas de combate à Guerrilha foi superior ao número de militares que massacraram “Canudos”, só inferior ao número de militares da FEB-Força Expedicionária Brasileira, que lutou na Europa na Segunda Guerra Mundial. Conforme vários estudos e levantamentos, os militares utilizaram de forma direta e indiretamente mais de dez mil homens durante o período do conflito. As três forças conjuntas: Exército, Marinha e Aeronáutica atuaram no combate à Guerrilha utilizando helicópteros, aviões e lanchas. Uma operação de guerra contra menos de uma centena de combatentes, somando-se aos guerrilheiros alguns camponeses que aderiram à causa revolucionária e que também pagaram com a vida por sonharem com uma sociedade mais justa.
            Apesar de militarmente superiores, os militares seguiam em desvantagem, além do mais, não tinham escrúpulos para com a população local. Muitos camponeses foram presos, torturados, na maioria das vezes não sabiam o que estava ocorrendo. Alguns foram torturados e mortos só porque conheciam os “paulistas”. A própria Igreja Católica sentiu-se ameaçada, pois, houve casos em que padres e até mesmo uma freira foram torturados e humilhados abertamente para a população local assistir, provocando a revolta do povo da região. Muitas famílias tiveram suas filhas aliciadas e abusadas sexualmente pelos militares. Por ironia, muitos camponeses conheceram a eletricidade não nas suas casas ou em seus sítios, e sim através de choques elétricos aplicados pelos militares. Perto das bases militares eram abertos buracos de até dois metros que serviam como prisão. As pessoas eram jogadas dentro do buraco, às vezes algemadas e permaneciam dias presos sem ver a luz do sol, pois os mesmos eram tapados com arames farpados e lonas. Não é a toa que alguns pesquisadores falam de um “Segundo Vietnã”. Além dos camponeses que eram coagidos a colaborarem com os mesmos, servindo de bate-paus (dedo-duro) e mateiros (guias que conheciam bem a mata e que eram obrigados, às vezes com uma corda no pescoço, a caçar os guerrilheiros).
            Diante de tais atitudes das Forças Armadas, para os camponeses era inconcebível acreditar que os “paulistas” eram más pessoas. Na realidade inferia-se quem era os criminosos e bandidos, adjetivos usados pelos militares para taxar os “homens da mata”. Entretanto, apesar da existência da censura aos meios de comunicação, razão porque na época poucas pessoas sabiam da existência do foco guerrilheiro na região do Araguaia, de boca em boca, na maioria das vezes até por parte de militares das Forças Armadas e também do Comando Central do PC do B - através de panfletagens - e através de uma reportagem do jornal “O Estado de São Paulo”, no dia 24 de setembro de 1972, que passou despercebida pela censura e que irritou o governo Médici, os desmandos praticados pelos militares chegam aos ouvidos de boa parte da população esclarecida, principalmente do sul do país e até mesmo do exterior. Devido a tais comentários e circunstâncias, o comando dos militares resolve mudar de tática. Agora com pessoal mais especializado e com uma política menos agressiva para com o povo da região, o governo passa a dar mais assistência ao povo sofrido do Araguaia, cujo papel vinha sendo executado pelos “Paulistas”.  Emissão de documentos, visto que na região exibir um documento como a Identidade era privilégio de poucos, assistência médica e odontológica, distribuição de remédios e comida, passou a fazer parte dos planos dos militares com o objetivo de ganhar apoio da população local.
            A terceira campanha empreendida pelos militares, batizada de “Operação Marajoara”, as Forças Armadas agora estavam estrategicamente dispostas a vencer a Guerrilha. Com pessoal de elite das três armas, os militares começaram a minar as forças guerrilheiras, privando-as dos estoques de provisões, remédios e de armas que não eram muitas. Quando um guerrilheiro era preso, obrigavam-no a dizer onde estavam os estoques escondidos na floresta. Além disso, boa parte dos camponeses que conheciam os guerrilheiros estavam presos ou impossibilitados de comunicação com os mesmos, e quando se comunicavam era uma cilada armada pelos militares. Todos os guerrilheiros presos a partir da segunda incursão ou campanha foram mortos sumariamente, muitos tiveram suas cabeças cortadas e o corpo enterrado na mata, pois a cabeça era suficiente para o reconhecimento, ficando a cargo dos bate-paus essa tarefa, às vezes recompensada com algum pouco dinheiro ou maços de cigarros.
            Apesar da presença dos militares na região até meados de 1975, praticamente o Movimento Guerrilheiro do Araguaia foi desmantelado no final de 1973. É óbvio que a maioria das baixas aconteceu do lado mais fraco, pois foi uma luta de Davi contra Golias, muito embora tenha havido, segundo alguns pesquisadores, mais de 50 mortos do lado dos militares, número não confirmado pelas Forças Armadas. No entanto a história da Guerrilha do Araguaia não veio totalmente à tona, pois até hoje, principalmente o exército, mantém-se reticente em abrir seus arquivos para que os historiadores possam acrescentar muito mais ao que já se sabe. Na década de 90 do século passado, foi criada uma comissão formada por parentes de desaparecidos no conflito, deputados e pessoas ligadas aos direitos humanos que em caravana percorreram a região do conflito, escavações foram feitas na região de Marabá no Pará na ânsia de encontrar restos para análises e comprovação de DNA por parte de Universidades de São Paulo, mas pouca coisa foi recolhida, em razão das mudanças ocorridas na região quase trinta anos depois. O Governo FHC indenizou famílias de desaparecidos políticos, e nesse rol algumas desse conflito.
            Em junho de 2003, uma Juíza Federal decretou a abertura dos arquivos das Forças Armadas para os devidos esclarecimentos, entretanto sabe-se que há fortes resistências. Mesmo assim, o Governo Lula criou outra comissão para ajudar a trazer à luz os restos mortais dos destemidos guerrilheiros do Araguaia. No segundo semestre de 2004, mais precisamente entre os meses de setembro e outubro, com a veiculação nos jornais das supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog, a questão da abertura dos arquivos militares voltou à tona, sendo defendida pelo Secretário Nacional dos Direitos Humanos e também pelo Presidente Lula. No dia 07 de dezembro do referido ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sediado em Brasília, por 2 x 1 mandou abrir os arquivos da Guerrilha do Araguaia. O governo garantiu que não ia recorrer. Na seqüência dos acontecimentos, no dia 10 do mesmo mês, o presidente Lula baixou uma medida provisória revogando o decreto de Fernando Henrique Cardoso, que cinco dias antes de deixar o governo no dia 27/12/2002, aumentou o limite de tempo para consulta aos documentos ultrassecretos, fixados pelo mesmo em 50 anos. O presidente Lula não só reduziu esse tempo para 30 anos, como também criou uma comissão interministerial para estudar novas regras para divulgação de documentos de Estado. Entretanto, em 25 de outubro de 2011 o parlamento brasileiro aprovou o tempo para consulta desses documentos. Fixou em 10 anos para documentos reservados, 30 anos para documentos secretos e 50 anos para ultrassecretos. No dia seguinte (26) o mesmo parlamento aprovou também a criação da Comissão da Verdade, que foi sancionada no dia 18/11 pela Presidente Dilma, que indicou 07 pessoas que se encarregarão de investigar desrespeitos aos direitos humanos durante o período de 1946-1988, principalmente durante o período da ditadura militar. Frisando-se que essa comissão não tem poder de punição.
Ultimamente, várias comissões têm trabalhado e avançado na busca dos restos mortais dos revolucionários. Em meados de 2009, o presidente Lula autorizou e o ministro da defesa criou um Grupo de Trabalho formado por geólogos, antropólogos, médicos legistas, etc., que, agora com a participação do exército, desde o início de agosto estão escavando no sul do Pará e as expectativas são boas. No início de outubro do mesmo ano foi confirmado que a ossada exumada em 1996 era mesmo do guerrilheiro Bérgson Gurjão, sendo sepultado com as devidas honras do PCdoB e da UNE. Depois da exumação de uma média de 100 ossadas, cinco foram encaminhadas para confirmação de DNA. Agora em 2014 foi encontrada parte da arcada dentária que se acredita ser de Maurício Grabois, um dos líderes do movimento. No dia 13/08 foi realizada em Brasília uma audiência onde foram ouvidos quatro torturadores militares, e o Grupo de Trabalho deve fazer seu relatório final até o final do ano, e deve ter novidades. Portanto, estamos mais próximo de resgatarmos boa parte da verdadeira história do Movimento Guerrilheiro do Araguaia, fazendo jus aos que empreenderam a maior resistência à ditadura militar, bem como as famílias que estão esperando há décadas pelos restos mortais dos seus.



Se você treme de indignação perante uma injustiça no mundo, então somos companheiros”.


Che Guevara







BIBLIOGRAFIA


-  CAMPOS FILHO, Romualdo Pessoa. Guerrilha do Araguaia – À esquerda em armas.
            Goiânia: Editora da UFGO, 1997.
-  GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada – As ilusões armadas – (A floresta dos homens sem alma). São Paulo: Cia das Letras, 2002.
-  GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A Esquerda Brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Editora Àtica, 1987.
-  GROSS, James Eliot – Luta de Guerrilhas (Natureza e Política) – Edições GRD, Rio de Janeiro, 1965.              
-  MOURA, Clóvis. Diário da Guerrilha do Araguaia. São Paulo: Editora ALFA - OMEGA, 1985.
-  PORTELA, Fernando. Guerra de Guerrilhas no Brasil. São Paulo: Global Editora, 1979.
-  SÁ, Glênio. ARAGUAIA – Relato de um Guerrilheiro. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1990.


TEXTOS


- Guerrilha do Araguaia – 1972/1982 – Biografia escrita por Diógenes Arruda Câmara.
- A Guerrilha do Araguaia – Versões Duvidosas – Jarbas Passarinho.


FILMES

- Lamarca.
- O que é isso companheiro.
- Araguaya: conspiração do silêncio.
- Batismo de sangue
SITES






José Humberto Gomes Barbosa
Professor de História



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